quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O BEM QUE FAZ PELO BEM QUE FICA

Em matéria de educação, e apesar dos modernos pedagogos defenderem métodos  mais  adequados às novas realidades, continuo a ser apologista do método como fui educado, em que prevalecia a disciplina e o exemplo.
Ao longo da minha vida, os ensinamentos que recebi em casa e na escola, marcaram profundamente e pela positiva, a minha conduta humana e social.
A este propósito, lembro-me de dois acontecimentos passados na minha infância e que exemplificam a forma como os meus pais exerciam com mestria, o múnus educacional que lhes estava destinado.
Apesar de vivermos a cerca de uma dezena de quilómetros da então «capital do calçado», existiam poucas lojas de venda deste produto. Os sapatos eram feitos por encomenda no sapateiro da aldeia, como se encomendavam os fatos e calças ao alfaiate, as saias à costureira, etc. Havia nesse tempo ainda uma série de artes e ofícios que complementavam a ruralidade das aldeias do Estado Novo nos meados do século passado.
Quando precisavamos de um par de sapatos, quer eu quer o meu irmão, o meu pai acompanhava-nos à oficina do mestre sapateiro. Normalmente acontecia aos domingos, no fim da missa. Depois do meu pai falar com  o sapateiro, lá íamos pousar os pés na folha de mataborrão, em pé, com todo o peso, para vincar bem a planta do pé. No fim da impressão pedonal o meu pai recomendava ao mestre para dar uma folga a mais, por que os rapazes estavam a crescer e os sapatos deixavam de lhes servirem.
Nós não gostavamos muito dos números acima da medida que nos faziam parecer que tínhamos pés grandes e não nos ficavam muito bem, mas o meu pai tinha razão, pelo bem que faziam e nos permitiam usar meias de lã e ter os pés quentes durante as aulas.
Outra vivência que não esqueci relaciona-se com as camisas. Pela festa da aldeia, que é no primeiro domingo de agosto, era costume os rapazes e raparigas envergarem trajes novos. No ano em que apareceram as primeiras camisas de «terylene», eu e o meu irmão também acalentavamos uma ténue esperança de exibirmos cada um a sua, mas ficamos desiludidos quando a minha mãe, que era modista, nos começou a tirar as medidas para nos fazer uma camisa para cada um, mas de popelina. Em vão ainda tentamos convencer a nossa mãe de como as camisas de «terylene» ficavam bem, mas ela rápidamente nos fez ver que o novo tecido era menos confortável e que nas camisas de popelina podia dar-lhe uma folga, incluindo uma prega na manga para que nos servissem mais tempo por que estavamos a crescer. Mais tarde, quando começamos a usar as tais camisas de «terylene», convencemo-nos, de facto, que era só aparência, ficavam bem mas não faziam bem à saúde por que não deixavam respirar o corpo e tornavam-se muito quentes.
Era pelo exemplo que se educava e nos habituavamos a respeitar os mais velhos que nos transmitiam ensinamentos para a vida. O conhecimento era mais limitado, não havia a televisão, a rádio e os jornais eram privilégio de muito poucos, confinados aos centros urbanos, eram escassos ou inexistentes na província.
Na minha aldeia, só o tio do meu pai é que era assinante do jornal «O Comércio do Porto»,(resultado duma amizade com Bento Carqueja) que devido às limitações de acessibilidades e transportes, só passados dois dias é que chegava ao destinatário e, passado uma semana, por vezes, conseguíamos que nos emprestasse o jornal depois de o ter lido de «fio a pavio» e depois de ter passado pelos mais velhos lá da casa e amigos mais chegados.
Outro meio de comunicação que só na década de sessenta passou a existir na nossa aldeia  foi o telefone.  Só havia um público numa mercearia/ taberna que era pertença de um senhor que o meu pai não gostava muito, mas que respeitava. Dizia-se - à boca fechada - que era informador da Pide(bufo) e como tal era temido e, como dizia o meu pai – nem de bem nem de mal – não se devia hostilizar mas desconfiar. Quando fomos estudar para fora, por que na nossa vila só havia um colégio que lecionava até ao antigo 5.º ano do liceu, por vezes tínhamos necessidade de comunicar pelo telefone com os meus pais, o que só fazíamos em última necessidade. O meu pai por norma não ia atender a nossa chamada, quem o fazia era a minha mãe, mas a nossa conversa resumia-se a palavras muito lacónicas, por que não havia cabine telefónica. Schiuuummm!!! – dizia o dono do estabelecimento, mandando calar a assistência que se encontrava na taberna, os jogadores da sueca e outras pessoas que cavaqueavam, fazendo-se um silêncio que arripiava e intimidava quem falava ao telefone. A conversa era escutada pelos presentes e toda a aldeia ficava a saber, daí a pouco, que o filho de fulano telefonara de Lisboa a dizer ...
Nos dias de hoje, os meios de comunicação, condicionam e influenciam a educação, positiva e negativamente. As notícias entram-nos pela casa dentro à velocidade da luz e é necessário aferirmos e selecionarmos o positivo do negativo. É necessário um filtro que coe a sujidade das impurezas. Esse filtro deve ser feito por quem tem o dever de educar.
Aos pais, professores e duma forma geral a todos que teem um papel ativo na educação das crianças e dos jovens, cabe-lhes fazer a triagem dos conteúdos, separando o trigo do jóio, distinguindo as realidades das aparências - o bem que faz pelo bem que fica.
Viana do Castelo, 2011-12-10
Manuel de Oliveira Martins
maolmar@gmail.com